Vida em Comunidade

Nov 18, 2021

Conexão e simplicidade nas relações que não se comparam

Eu ando pelas ruas, no meio de tantas pessoas, mas são tão poucos os olhares. Moro na minha casa tão protegida e, por detrás do portão, anseio por um lugar onde portões não são necessários, onde eu não precise me esconder dos meus vizinhos. Entro no meu carro, mas queria mesmo caminhar e cumprimentar todas as pessoas que encontrasse pelo meu caminho trocando sorrisos e gentilezas. Abro o aplicativo do celular e vejo as fotos das pessoas, as histórias que contam, mas queria mesmo era sentir calor do seu abraço, olhar nos seus olhos, sentar junto e dar risadas ou chorar com elas, ou mesmo ficar em silêncio. Trabalho atrás da tela do meu computador em uma planilha de Excel, mas queria mesmo ajudar uma amiga a cuidar do seu filho, do seu cachorro, das suas plantas, ou trabalhar para construir uma ponte junto com novos e velhos amigos dos quais eu sinto tantas saudades.

No desenrolar do nosso tempo, do desenvolvimento da sociedade moderna, fomos nos afastando da vida simples e conectada que tínhamos, que os nossos ancestrais tinham, quando vivíamos juntos em comunidade, dividindo espaços de convivência, de trabalho, de moradia, de vida. Vivendo assim, de forma coletiva, onde cada um podia exercer o seu papel - o seu Dharma - que era essencial para o funcionamento do todo, compartilhando a sua humanidade, seus valores, suas crenças, hábitos e culturas.


A cada década, a cada ano que passa, temos nos isolado mais e mais em cidades onde não nos conectamos uns com os outros porque moramos em casas ou apartamentos de condomínios com muros e portões altos, segurança por todos os lados, ficamos o dia todo em nossos trabalhos, estamos sempre com pressa dirigindo nossos carros ou no transporte coletivo lotado, atentos aos nossos aparelhos celulares. Sem trocas de olhares, sem empatia, sem reconhecimento mútuo. A pressa e a competitividade que regem a sociedade atual não nos permitem ou encorajam a prestar atenção ao outro e nos levam a fortalecer um senso de individualidade egoística e de posse na medida em que o outro pode representar um “perigo” ou ser um concorrente de alguma forma.


A sociedade de consumo nos dá a falsa sensação de que somos onipotentes, porque basta fazer dois cliques na tela do celular para pedir uma refeição ou chamar um encanador, ou seja, tudo está resolvido e não precisamos de ajuda de ninguém – mascaramos a nossa vulnerabilidade e humanidade com a tecnologia. A conectividade trazida pela internet nos deu centenas, talvez milhares, de amigos virtuais dos quais pouco ou nada sabemos e com quem não nos encontramos, não nos conectamos de verdade.


Assim, estamos tristes, sozinhos, isolados, desconectados, ansiosos e nos sentindo não pertencentes, não parte do todo, não contribuintes. Muitas vezes, com dinheiro na conta bancária, carro, casa, segurança, conforto, mas nada de humanidade e de conexão verdadeiras. E somos seres sociais, precisamos dessa conexão, o isolamento físico durante a pandemia deixou tudo isso ainda mais evidente.
No dicionário, alguns dos sinônimos para comunidade são comunhão, congregação, irmandade. É essa experiência que podemos ver nas comunidades com as quais trabalhamos, hoje, em nossos projetos. É uma realidade que ficou tão distante de nós, mas que nos inspira a repensar o nosso modo de vida e as nossas relações para além do nosso círculo familiar.


Em comunidade, as pessoas se conectam de verdade e elas se ajudam. Elas estão juntas em prol de um mesmo objetivo, seja compartilhar a mesma situação de vida, ou de se unirem por um mesmo ideal como o de ter uma vida mais simples e sustentável. As pessoas, ali, são parte do todo e não somente um elemento consumidor que faz o “caixa girar”. As relações vão para além de interesses comerciais.


Há um senso de pertencimento, pois cada um exerce o seu papel e é fundamental para o bem-estar coletivo. Estando conectadas, as pessoas podem se reconhecer na sua humanidade e se ajudam criando uma rede de apoio e de solidariedade. Os vínculos de amizade que nascem dessa relação regem esse fluxo que se estende para todos – as pessoas se apoiam e são apoiadas.
Ao contrário do que imaginamos, apesar de todos os desafios e as dificuldades enfrentadas em comunidade mais pobres, como nas favelas, um estudo do Data Favela de 2015 revelou que 94% dos moradores das comunidades se diziam felizes com a vida que levavam e 81% gostavam de viver na sua comunidade. A pesquisa ainda mostrou que 66% dos entrevistados não queriam sair da favela e 62% têm orgulho dela.


Esse é o impacto positivo de uma vida em comunidade onde as pessoas compartilham as suas vidas, a sua humanidade, suas necessidades e dificuldades, e se ajudam umas às outras, porque se reconhecem e se conectam. A partir da simplicidade, da vulnerabilidade, da solidariedade, as pessoas se relacionam e são felizes na sua história, porque se sentem pertencentes e isso as move.


E o que nos move nos Projetos do Instituto Açucena e da Pequena Tribo? A possibilidade de estar perto dessas pessoas, nessas comunidades, vivenciando essas experiências de perto e contribuindo voluntariamente para melhorar a qualidade das suas vidas. E, ao mesmo tempo em que elas recebem o nosso apoio, nós também recebemos muito! Não se trata de uma via de mão única, mas de uma interrelação na qual ambos dão e recebem amor, um amor que se manifesta de muitas diferentes formas, seja através de uma aula, do compartilhamento de conhecimentos, da doação de tempo e atenção, de uma conversa, de um sorriso, da troca de olhares, mas, principalmente, através da conexão que se estabelece entre nós, apoiadores e apoiados.


Para muitos, não será uma opção largar a forma de vida atual para viver em comunidade, mas, nos Projetos, experienciamos que, através do trabalho voluntário, podemos fazer parte dessa rede de solidariedade que fortalece ainda mais essas pessoas, entregando, a elas, o nosso amor em forma de contribuição por meio dos dons e talentos que fluem através de nós. Essa possibilidade amplia o nosso olhar para realidades diferentes das nossas gerando empatia e conexão, nos nutre de amor e alegria a cada sorriso que recebemos de volta e nos permite criar laços ainda mais fortes entre nós como seres humanos.


E assim, pouco a pouco, dando e recebendo amor nos reconectamos com um sentido de comunidade que já existe dentro de nós. Um sentindo de comunidade ancestral baseado no amor.

Créditos: Vídeo de Kelly L no Pexels